quarta-feira, 29 de junho de 2011

Em Barcelona, Eliane afugenta os carteiristas

Morena de estatura média, cabelos compridos, Eliana "trabalha" à entrada do metropolitano de Barcelona. De mochila às costas, anda apressada, distribuindo pequenos panfletos multilingues que alertam para os riscos de um assalto. Respondem-lhe os turistas com um sorriso e um gesto que simula mais atenção aos sacos e carteiras. E ela continua de dedo em riste, apito na boca, com voz forte ou aos gritos, afastando os carteiristas mais afoitos que se atrevem a afrontá-la. Recuam com aparente docilidade. Outros, que já a conhecem, abandonaram há muito aquelas paragens.

Efeito de dissuasão ou começo da guerra aos assaltos na via pública? À TVE, Eliana confessou receber ameaças dos carteiristas. De certo, da iminência de represálias não se livra. Mas até lá, prossegue esta missão cívica. Até quando...?

"Um galo sozinho não tece uma manhã..."



"Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos."

João Cabral de Melo Neto


Sempre o Poeta para exprimir o que comum dos homens não sabe...

terça-feira, 28 de junho de 2011

Sinais do Governo de Passos Coelho

Com a tomada de posse dos Secretários de Estado está completo o novo Governo. Uma lista marcada por um episódio pitoresco: um convidado pelo titular da pasta da Administração Interna que, tendo sido vetado pelo Primeiro-Ministro, viu anulada a nomeação, à última hora.

Invocam-se "razões políticas e pessoais". Uma história mal contada ou estranha, no mínimo. Diz-se que o ex-futuro Secretário discordava da privatização da RTP. Do mesmo ponto de vista comunga Paulo Portas...Mal começa o Governo que não respeita a liberdade de opinião. E, no caso presente, ainda está por demonstrar a necessidade de privatizar a RTP...



"Bernardo Bairrão foi convidado por Miguel Macedo para ser seu secretário de Estado da Administração Interna e, depois do primeiro-ministro ter vetado o seu nome, viu o convite anulado. Aconteceu em pouco menos de 48 horas...
O até agora administrador delegado da TVI renunciou ontem de manhã oficialmente ao cargo através de um comunicado enviado pela Media Capital à CMVM, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter dado como certa, no domingo à noite na TVI, a sua integração no Governo. Em vão. Pedro Passos Coelho só mais tarde terá tido conhecimento das duras críticas que Bairrão fez no fim-de-semana à privatização da RTP por ser "absolutamente contra a privatização de um canal de televisão neste momento"- uma das primeiras medidas que o primeiro-ministro anunciou, numa entrevista ao Financial Times.
A privatização de um dos canais públicos tem sido um ponto de discordância entre PSD e CDS, mas Pedro Passos Coelho tem feito desta sua decisão, sufragada nas urnas, um ponto de honra. Ontem, no final do ‘briefing' do Conselho de Ministros, Miguel Macedo recusou responder a qualquer questão relacionada com Bernardo Bairrão sendo certo que a forma como o até ontem administrador da TVI participou no afastamento da jornalista Manuela Moura Guedes também não foi esquecido no momento em que o chefe de Governo decidiu deixar cair o convite feito pelo ministro da Administração Interna."


In Diário Económico on line

Salvador Caetano

Morreu Salvador Caetano, um dos últimos grandes empresários portugueses. De origens humildes, subiu a vida a pulso com muito trabalho, estudo e perseverança. Esses os valores que estiveram na origem da construção do "império" deste self made man, cuja escolaridade não ultrapassou a 4ª classe da Instrução Primária. Crítico e disciplinado, gozou do respeito dos seus pares, que hoje não lhe regateiam elogios. De carácter reservado, Salvador Caetano dava-se mal com a exposição pública, escusando-se às luzes da ribalta.

Por razões de saúde, nos últimos tempos, delegou o executivo do grupo nos seus filhos. Este facto, todavia, não significava alheamento dos negócios que gostava de acompanhar. Em resumo, uma personalidade relevante na economia do País que. o jornal Público regista. Desse percurso de vida ficam alguns excertos.


"O envolvimento nos negócios começou desde cedo: aos 11 anos, Salvador Fernandes Caetano teve o primeiro trabalho como ajudante de pintor; aos 18, estabeleceu-se por contra própria numa oficina; dois anos depois abre a primeira empresa com dois sócios, pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial.

Seria a nova fábrica de carroçarias de madeira para autocarros que acabaria por dar origem, já sem os sócios, à Salvador Caetano, Indústria Metalomecânica e Veículos de Transporte, em 1949. Já na altura, mostrava ser "um empresário com vistas largas e um homem de futuro": nos anos 1950, no concelho de Gaia, as pessoas trabalhavam três ou quatro meses e depois iam para a lavoura, mas Salvador Caetano tinha a preocupação "de dar trabalho às pessoas, arranjar maneira de mantê-las permanentemente ocupadas", lembra José Abreu Teixeira.

Foi desta forma que, nos anos 1960, o empresário iniciou contactos para representar a Toyota em Portugal, mesmo sem formação noutras línguas. Não foi isso que lhe tolheu os passos: viajou para Londres, onde aprendeu inglês, o que veio a tornar-se essencial na comunicação com o grupo nipónico. E em 1968 torna-se representante exclusivo da Toyota, um ano depois de ter assegurado o primeiro contrato de exportação de autocarros para Inglaterra.

Foi já no início dos anos 1970 que nasceu a fábrica de Ovar, que viria a montar veículos comerciais. Entretanto, os japoneses adquiriram 27 por cento da Salvador Caetano, em 1972, um passo que o empresário sempre esperou que desembocasse na produção de um veículo da Toyota em Ovar, para todo a Europa. "Espero que sim", afiançava já em 2003, quando questionado se acreditava realizar esse sonho. Mas nunca foi derrotado por não concretizar essa ambição.

Ao longo dos anos, torna-se importador e distribuidor da BMW, expande o fabrico de autocarros, e alia-se noutros negócios a empresários como Laurindo Costa (hoje já falecido, accionista da Soares da Costa), Rodrigo Leite (Tertir), Belmiro de Azevedo (Sonae). É também um dos fundadores do BCP e BPI. Ao comemorar os 50 anos de actividade, em 1996, tinha criado ou adquirido meia centena de empresas.

Outros que o conheceram lembram que era "implacável nos negócios" e que "as relações familiares ou de amizade de nada valiam quando era preciso fazer sangue". Mas foi essa resistência que se estendeu ao lado da vida privada: durante anos lutou contra a doença, fez várias operações no estrangeiro. E assim teve tempo para preparar o futuro cuidadosamente, dividindo os bens pela família para que nada corresse mal depois do fim."

domingo, 26 de junho de 2011

Viver na Terra...




"Viver na Terra é caro, mas o preço inclui uma viagem grátis em redor do Sol cada ano."



Guy de Maupassant (1850-1893).




Repetem-se as notícias das agências financeiras. À penalização dos juros do Estado corresponde o anúncio das medidas de contenção. Evasão precisa-se, sendo o melhor remédio utilizar o bom humor. Guy Maupassant parece confirmar esta necessidade de viver, sorrindo. Ou seja, dar a volta às coisas...

Maria Amália, rainha de Espanha

Maria Amália nasceu em Dresden (24 de Novembro de 1724) e faleceu em Madrid (27 de Setembro de 1760). Filha de Frederico Augusto II da Saxónia e Lituânia, e da arquiduquesa Maria Josefa, filha do imperador José I do Sacro Império, casou aos 14 anos com Carlos de Bourbon ( o mais velho dos filhos de Isabel Farnésio e Filipe V de Espanha), herdeiro do reino de Nápoles e Sicília.

Em Nápoles, a sensibilidade de Carlos soube criar o ambiente propício à felicidade da jovem princesa que viveu os primeiros anos em Dresden. Rodeada da bela porcelana de Meissen, adquiriu também o gosto pelo mobiliário e pelas tapeçarias. Hábil em lavores, conhecia o petit-point e manejava bem a lançadeira. Do ducado de Parma, o novo rei trouxe quadros, jóias, mobiliário, porcelanas e peças decorativas que enriqueceram os palácios que habitou em Nápoles. O mais mais célebre, Capo di Monte, ficou ligado a uma manufactura de porcelana similar à de Meissen que, depois da entronização em Madrid, serviu de modelo para criar a do Buen Retiro.

Alegre, sensível e apaixonada aparecem como os principais traços da Rainha que, no dizer dos biógrafos, soube comportar-se como uma mamma napolitana. Não era, todavia, inteiramente feliz esta mãe de treze filhos. Nem todos chegaram à idade adulta e o nascimento de um varão só aconteceu ao sexto parto. Mas este, Filipe como o seu avô, seria excluído do direito de sucessão por comprovada incapacidade mental. Estes factos terão contribuído para alterar o comportamento de Amália.

Passou a ser irascível com os seus criados, dava-se mal com as mudanças de tempo e queixava-se de tudo e de nada. Deste mau-humor e agressividade excluía o marido. Assim retribuía o carinho e protecção que lhe dedicou. Ao desequilíbrio nervoso atribui-se-lhe o gosto do tabaco, especialmente puros habanos que Amália fumava com prazer.

Depois da morte de Fernando VI, Carlos III assumiu o trono. Amália foi rainha de Espanha por dois curtos anos. Até que o avançado estado de tuberculose a levou em 27 de Setembro de 1760. A sua morte foi muito sentida pelo marido que confessou: "Éste es el primer disgusto serio que me ha dado Amalia en nuestros veintidós anos de matrimonio".

sábado, 25 de junho de 2011

Recordando Vinicius...



Nesta tarde quente de Verão, um regresso ao passado na poesia de Vinicius de Moraes.

Afinal o Governo não poupou nada ao Estado!




Uma notícia desmentida. Ficamos à espera de outras poupanças!

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O Alentejano retrata-se...



"RAÇA DO ALENTEJANO


Como é um alentejano?
É, assim, a modos que atravessado.
Nem é bem branco, nem preto, nem castanho, nem amarelo, nem vermelho....
E também não é bem judeu, nem bem cigano.
Como é que hei-de explicar?
É uma mistura disto tudo com uma pinga de azeite e uma côdea de pão.

Dos amarelos, herdámos a filosofia oriental, a paciência de chinês e aquela paz interior do tipo "não há nada que me chateie";
dos pretos, o gosto pela savana e pelos prazeres da vida;
dos judeus, o humor cáustico e refinado e as anedotas curtas e autobiográficas;
dos árabes, a pele curtida pelo sol do deserto e esse jeito especial de nos escarrancharmos nos camelos;
dos ciganos, a esperteza de enganar os outros, convencendo-os de que são eles que nos estão a enganar a nós;
dos brancos, o olhar intelectual de carneiro mal morto;
e dos vermelhos, essa grande maluqueira de sermos todos iguais.

O alentejano, como se vê, mais do que uma raça pura, é uma raça apurada.
Ou melhor, uma caldeirada feita com os melhores ingredientes de cada uma das raças.
Não é fácil fazer um alentejano.
Por isso, há tão poucos.

É certo que os judeus são o povo eleito de Deus.
Mas os alentejanos têm uma enorme vantagem sobre os judeus:
nunca foram eleitos por ninguém, o que é o melhor certificado da sua qualidade.

Conhecem, por acaso, alguém que preste que já tenha sido eleito para alguma coisa?
Até o próprio Milton Friedman reconhece isso quando afirma que
«as qualidades necessárias para ser eleito são quase sempre o contrário das que se exigem para bem governar».
E já imaginaram o que seria o mundo governado por um alentejano?
Era um descanso..."




Para que não me acusem, devo esclarecer que esta é uma cópia de um mail enviado por uma amiga alentejana. Um auto-retrato do alentejano, uma "raça"que sabe brincar com gosto. Ou seja a prova máxima da sabedoria...

quarta-feira, 22 de junho de 2011

De Angola...uma história de vida

Vista aérea de Mucaba (foto de Internet)


Desde segunda-feira que não me sai da cabeça uma história de guerra passada há cinquenta anos. Em Mucaba, depois de uma operação militar com a UPA, foi encontrado um menino de cerca de três anos, ferido e amedrontado ao lado do cadáver do pai. Levado para um orfanato em Luanda, distinguia-se de todos os outros pelo olhar vivo e pela singularidade de um gesto repetido. De braços levantados, gritava "viva Portugal!".


O futuro daquela criança havia de mudar com a visita do Ministro do Ultramar a Angola. Conhecendo o desejo do Dr. Almerindo Lessa em adoptar um orfão de guerra, o Professor Adriano Moreira decidiu-se pelo "menino de Mucaba" que voou para Lisboa acompanhado por uma enfermeira paraquedista. Pareceu consenual o nome a dar-lhe: João Mucaba Lessa. João para homenagear o rei restaurador ( D. João IV) e derivados da localidade de origem e da família adoptiva, os apelidos.


João cresceu rodeado de carinho e de bem-estar num ambiente familiar que sempre o poupou às memórias pesadas da guerra. Estudante de medicina, o menino seguiu as pisadas do pai adoptivo e trabalha hoje no Serviço de Sangue do Hospital de S. José em Lisboa. Tendo usufruído de um bom nível de vida, casado e pai de dois filhos, o dr. João dispõe de todas as condições para ser feliz. Tal não acontece, porque no seu espírito pairou sempre uma nuvem de tristeza inexplicável que, não raras vezes, se transformava em pesadelo nocturno. Valeu-lhe o apoio da família e, especialmente, da mulher. Nunca esquecidos, os traumas de guerra parecem começar a ser ultrapassados depois de um encontro casual com uma tia em Lisboa.



Finalmente, chegou o momento de conhecer pessoalmente os irmãos e parentes, visitar o espaço onde nasceu e viveu os primeiros anos. A reportagem da TVI acompanhou também essa visita. A emoção do homem, que ainda mantém as lembrança dos lugares da primeira infância, com os familiares é indescritível. Dir-se-á que a viagem a Angola configura a catarse de uma vida. Hoje, o dr. João é angolano por fora, mas português por educação e formação. Como ele próprio explicou: aqui está a sua família, a sua mulher e filhos, a sua irmã (também ela adoptada pelo casal Lessa), o seu trabalho. Aqui trabalha e aqui acabará os seus dias, embora sem renegar as origens angolanas...


Esta história de vida, que mais parece ficção, remete-nos para a responsabilidade da educação e dos traumas que, desde a mais tenra idade, marcam a personalidade. Afinal, isso representa uma lição a tomar por todos.

Nota - A reportagem da TVI pode ser vista na Internet. Passou no dia 20 de Junho no Jornal das 20 horas, na parte final da segunda parte. A não perder...

terça-feira, 21 de junho de 2011

Veni Creator!



O canto gregoriano para ouvir neste primeiro dia de Verão. Ou como a música nos transporta às portas do Paraíso...

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Cuidado com as crianças!






Repetem-se os acidentes com crianças. Descuidos dos familiares e dos adultos que esquecem a natural traquinice e curiosidade infantil. Comprova-o este vídeo. Felizmente, passados momentos de grande aflição, a criança saíu ilesa...

O Tempo entre Costuras

Acabei de ler O Tempo entre Costuras: romance histórico aliciante e bem documentado. A estoria de uma costureira serve de pretexto para conhecer os meandros da Guerra Civil de Espanha e das complexas relações do regime franquista durante a II Guerra Mundial. A narrativa, feita na primeira pessoa, retrata o ambiente cosmopolita de Madrid, Tânger-Tetuan e Lisboa-Estoril. Ambientes sociais diversificados, onde os jogos políticos se misturam com o fulgor do luxo e da moda, de movimentos arrojados e de festas com percalços e intrigas.

Gostei de aprofundar esta fase da História. De conhecer melhor a complexidade do processo político em Espanha e de compreender o enquadramento social e económico de Portugal nos negócios da guerra. Para entrar na sinopse do livro basta clicar na hiperligação e aceitar o convite... vale a pena a leitura.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Teixeira dos Santos e o novo Governo

O velho Governo morreu. A desmobilização tomou conta dos ministros que, desmotivados, esperam para ver. Assinala-se uma excepção, o ministro Teixeira dos Santos que prossegue o seu trabalho afincadamente. Organiza dossiers, elabora relatórios e redige notas num esforço de "arrumar a casa". O mesmo é dizer, na preparação das coisas para a entrada do seu sucessor. Atitude muito louvável, especialmente nestes tempos de recriminação e desânimo. Registo de profissionalismo e abnegação que não deve passar em branco aos olhos da opinião pública. Para reforçar esta ideia, passo a transcrever uma nota de um jornalista.


" É nas derrotas e não nas vitórias que se descobrem os grandes líderes. Dá gosto ver Fernando Teixeira dos Santos, ainda ministro, a falar como ex-ministro das Finanças. A dizer o que ninguém no PS quer ver e acima de tudo a deixar trabalho preparado para que o seu sucessor tenha com que trabalhar na aplicação do memorando da troika. Infelizmente, este comportamento não é comum na passagem de pastas de governo. Haja grandes homens nestes momentos. E Teixeira dos Santos é sem dúvida um deles."

João Vieira Pereira, Complex in Economia, Expresso, 10 de Junho de 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Procissão...



O tempo de santos populares remete também para a procissão. António Lopes Ribeiro evocou essa manifestação de fé popular que João Villaret soube interpretar de forma admirável. Os mais velhos gostam de recordar, enquanto os mais novos...não sei!

Fernando Pessoa e Santo António




SANTO ANTÓNIO


Nasci exactamente no teu dia —
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!
Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Católico, apostólico e romano.
(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
Mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)
Adiante ... Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma auréola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.
Dizem que foste um pregador insigne,
Um austero, mas de alma ardente e ansiosa,
Etcetera...
Mas qual de nós vai tomar isso à letra?
Que de hoje em diante quem o diz se digne
Deixar de dizer isso ou qualquer outra coisa.
Qual santo! Olham a árvore a olho nu
E não a vêem, de olhar só os ramos.
Chama-se a isto ser doutor
Ou investigador.
Qual Santo António! Tu és tu.
Tu és tu como nós te figuramos.
Valem mais que os sermões que deveras pregaste
As bilhas que talvez não concertaste.
Mais que a tua longínqua santidade
Que até já o Diabo perdoou,
Mais que o que houvesse, se houve, de verdade
No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou,
Vale este sol das gerações antigas
Que acorda em nós ainda as semelhanças
Com quando a vida era só vida e instinto,
As cantigas,
Os rapazes e as raparigas,
As danças
E o vinho tinto.
Nós somos todos quem nos faz a história.
Nós somos todos quem nos quer o povo.
O verdadeiro título de glória,
Que nada em nossa vida dá ou traz
É haver sido tais quando aqui andámos,
Bons, justos, naturais em singeleza, Que os descendentes dos que nós amámos
Nos promovem a outros, como faz
Com a imaginação que há na certeza,
O amante a quem ama,
E o faz um velho amante sempre novo.
Assim o povo fez contigo
Nunca foi teu devoto: é teu amigo,
Ó eterno rapaz.
(Qual santo nem santeza!
Deita-te noutra cama!)
Santos, bem santos, nunca têm beleza.
Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? ...
Tira lá essa capa!
Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais rico
Em fantasia, promoveu-te a manjerico.
És o que és para nós. O que tu foste
Em tua vida real, por mal ou bem,
Que coisas, ou não coisas se te devem
Com isso a estéril multidão arraste
Na nora de uns burros que puxam, quando escrevem,
Essa prolixa nulidade, a que se chama história,
Que foste tu, ou foi alguém,
Só Deus o sabe, e mais ninguém.
És pois quem nós queremos, és tal qual
O teu retrato, como está aqui,
Neste bilhete postal.
E parece-me até que já te vi.
És este, e este és tu, e o povo é teu —
O povo que não sabe onde é o céu,
E nesta hora em que vai alta a lua
Num plácido e legítimo recorte,
Atira risos naturais à morte,
E cheio de um prazer que mal é seu,
Em canteiros que andam enche a rua.
Sê sempre assim, nosso pagão encanto,
Sê sempre assim!
Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto.
Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei António —
Isso sim.
Porque demónio
É que foram pregar contigo em santo?

Que viva Santo António!









Desta vez, venceu o Alto do Pina. Esta marcha alegre e "brilhante" iluminou a rua de Lisboa e os espectadores que, em todo o mundo, puderam assistir ao tradicional desfile na Avenida.

Gostei das marchas e do espectáculos coreográfico onde nunca faltam as crianças. É de pequenino que se torce o pepino ( mas que mania de chamar o pepino para tudo!!), daí a precocidade desta "educação bairrista". Responsabilidade de pais, avós e padrinhos como os mais jovens marchantes confessaram...

Gostei da alegria que transparecia nos rostos dos participantes no desfile e da resistência e boa disposição dos espectadores que marcaram lugar desde o meio da tarde. Música, luz e cor na Avenida: ambiente de festa sentida ou um último respiro para suportar o que aí vem? Se calhar estas imagens encheram de espanto os senhores das agências financeiras internacionais que logo trataram de carregar nas taxas de juro da dívida portuguesa. E só inveja e maldade, digo eu. Enquanto houver lisboetas não acaba a festa de Santo António. Compreendam isso, senhores, é só um dia por ano!!!

domingo, 5 de junho de 2011

O que será?






Dois grandes da música brasileira de outrora: Chico Buarque e Milton Nascimento. Quase esquecidos, mas sempre haverá quem os recorde.

Acabou-se! Valha-me o Jacarandá...

Acabou-se! Finda a campanha eleitoral, hoje é dia de votar. De conversa estamos cheios, agora deseja-se bom senso e vontade de governar. Que o governo actue em espírito de justiça e de concórdia. Dispensa-se a propaganda e demagogia. Recusa-se a mudança só por mudar. Disso já o povo conhece e está farto. Quer-se gente honesta, trabalhadora e com valores. Sabe-se que as linhas da governação definidas pela troika não deixam grande margem de manobra. Isso mesmo deve ser reconhecido por todos, mas exige-se que as restrições e medidas de contenção sejam equitativamente distribuídas.

Desabafo de alguém que não tem certezas de nada, salvo o de estarmos à beira de uma tragédia, à maneira da Grécia. Como é possível pagar uma tal dívida a altos juros? Não vislumbro saída, daí que só me reste a liberdade de olhar pela janela o jacarandá em flor. E dele receber uma centelha de esperança!!!





sábado, 4 de junho de 2011

Pegadas na Areia,um poema popular

Quando o Mundo à nossa volta ameaça ruína, a fé agarra-nos. A fé configurada na simplicidade de palavras e imagens, tal como se exprime em Pegadas na Areia. Optei pela versão escrita, embora a Net apresente muitas outras.

Acerca da autoria de Pegadas na Areia, prossegue a disputa como esclarece a hiperligação.

Eduardo Souto Moura recebe o Prémio Pulitzer

Que as boas notícias alegram a alma, todos sabemos. Algumas mais do que outras que, sendo raras e excelentes, têm o condão de acrescentar orgulho à nossa condição de portugueses. Falo do Pulitzer que, depois de Álvaro Siza Vieira, foi este ano atribuído a Eduardo Souto Moura. Dois Arquitectos da chamada "escola do Porto", unidos numa velha relação de mestre-discípulo, continuaram um percurso próprio até à maturidade. Se quisermos à maneira das antigas corporações, posicionam-se hoje no mesmo grau de "companheiros" e "mestres": ambos eméritos arquitectos e cidadãos.

Transcrevo um extracto das palavras de Obama na cerimónia de atribuição do Prémio Pulitzer, nomeadamente quanto à beleza do Estádio Municipal de Braga. Quero ainda aplaudir o discurso de Eduardo Souto Moura, apontando um sinal de esperança para sair da crise. "Crise" e "Oportunidade", uma relação de estímulo-resposta que bem gostaríamos de ver satisfeita nos próximos tempos em Portugal e no Mundo.



"Barack Obama elogiou o arquiteto português e destacou o Estádio de Braga, "a obra mais famosa" de Souto Moura. Segundo o líder norte-americano, o arquiteto "teve grande cuidado para posicionar o estádio de maneira a que quem não possa ter bilhete pudesse ver o jogo dos montes circundantes"."O estádio em Braga expressa uma harmoniosa combinação de forma e função, de arte e acessibilidade", continuou Obama, que comparou até Souto Moura ao antigo presidente dos EUA, Thomas Jefferson. "Como Jefferson, Souto de Moura passou a sua carreira não apenas a redefinir as fronteiras da sua arte, mas a fazê-lo de maneira que serve o bem público", comentou o presidente dos EUA na cerimónia de entrega do 'Óscar da arquitetura'. "

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Dia da Criança

Assinalar o Dia da Criança é uma forma de olhar o mundo. De crianças esquecidas e carentes dos meios básicos, de crianças maltratadas e obrigadas a trabalhar, mas também daquelas que, embora "cheias" de brinquedos, sentem a falta dos pais e de amor...

Olhar a criança de hoje é verificar a diversidade de "mundos", onde o desrespeito pelos direitos humanos persiste. Prova disso está no enfoque dado pelos mass media, alertando a sociedade e o Estado. Efeito positivo que toca a todos, mas existe também a outra faceta: a perversidade de um instrumento que facilita e esconde a exploração infantil. Nunca é demais denunciar a pedofilia, um fenómeno sem fronteiras nem limites sociais.

A criança na diversidade de espaços e de sociedades, hoje. Um tema geral que nem sempre atende os aspectos invisíveis das relações humanas. Sentimentos intemporais: a ruptura de laços familiares e as suas circunstâncias, a criança e o adulto "sempre criança" para os mais velhos. A este propósito lembrei-me de Fernando Pessoa: um poema de amor que combina bem com a foto do Zé, um menino muito amado que já completou três anos...



O Menino de Sua Mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado,
- Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe

Fernando Pessoa