segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Ser feliz!


Um amigo costuma dizer muitas vezes que "riqueza e santidade, sempre menos de metade!..." Lá terá as suas razões. Pois, então não é verdade que toda a gente gosta de parecer mais...em tudo? Tudo, porque a natureza humana é auto-convencida e vaidosa!.

Duvido que o mesmo espírito positivo se aplique ao sentimento de felicidade. Somos tão exigentes que dificilmente aceitamos poder ser ou estar felizes. Parece que inventamos ou vislumbramos males que não existem. Ora, esta incapacidade de desfrutar as coisas e os momentos bons da vida impede-nos a identificação de pequenos nadas de que a felicidade é feita.

Pela sua apurada sensibilidade e intuição os poetas captam e registam aquilo que os outros não vêem, nem sentem. Carlos Drummond de Andrade aponta mais longe, afirmando "ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade".

O Poeta sabia que sempre haverá motivos para dar graças à vida!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Lisboa, Igreja de S. Domingos

Num dia tórrido, como o que vivemos hoje em Lisboa, uma igreja assemelha-se a um oásis, um verdadeiro refrigério. É o descanso para o corpo e para a alma. De entre todas as igrejas da Baixa destaco a de S. Domingos que assume plenamente a função de acolher o povo de Deus, de toda a condição social, religião, etnia e nacionalidade.

Talvez resida neste carácter abrangente a minha simpatia por esta velha e grande igreja. Foi o que concluí quando esta tarde aí passei alguns momentos. Gente de origem diversa, fiéis devotos, o canto gregoriano, as velas acesas nos altares e toda a envolvência convidavam ao recolhimento.

Observando a organização do espaço identifiquei ainda sinais do incêndio terrível que devastou a Igreja. E pensando, pensando... cheguei a esse longínquo dia 13 ou 14 de Agosto de 1959. Foi há cinquenta anos o incêndio da Igreja de S. Domingos!...

Viver é difícil?


Nas férias há mais tempo para conversar. Falar de tudo, de coisas sérias, de ninharias...daquilo que faz a passagem dos dias. Da sabedoria dos poetas nestas coisas poucos discordam. Por isso recorri a Carlos Drummond de Andrade para exprimir as dificuldades de saber viver. O Poeta chamou-lhe Reverência ao Destino.

Reverência ao Destino

Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.

Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e reflectir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.

Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso.
E com confiança no que diz.

Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer ou ter coragem pra fazer.

Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende.
E é assim que perdemos pessoas especiais.

Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.

Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.

Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"
Difícil é dizer "adeus", principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...

Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente eléctrica quando tocamos a pessoa certa.

Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só.
Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar, e aprender a dar valor somente a quem te ama.

Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência, acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.

Fácil é ditar regras.
Difícil é seguí-las.
Ter a noção exacta de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.

Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta.

Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.

Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma, sinceramente, por inteiro.

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.

Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefónica.
Difícil é ocupar o coração de alguém, saber que se é realmente amado.

Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fracção de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Raúl Solnado, ei-lo que partiu...


"Façam favor de ser felizes", frase que Raul Solnado gostava de repetir sempre que terminava um sketch e que, no passado dia 8, poderia ser tomada como despedida. Mensagem reveladora do Homem bom que fez do humor um instrumento de entretenimento, de crítica e de optimismo. E por tudo isso lhe ficamos gratos!

Quando morre alguém das minhas relações fica-me um sentimento de perda e de saudade, um estado de alma que, por vezes, se estende também a uma figura pública. É o caso de Raul Solnado, cuja memória as reportagens televisivas avivaram num cruzamento de imagens e lembranças das nossas próprias vidas. Data do início da década de 1960 a primeira vez que o vi em palco, no Teatro Avenida (um dos muitos teatros consumidos pelo fogo em Lisboa). "É do Inimigo?", uma estória em forma de telefonema que surgia na sequência da "guerra de 1908". Ar ingénuo, misto de menino envergonhado e malandro que sublinhava as palavras com uma mímica expressiva. O público gostava e rompia em gargalhadas sonoras e palmas que o Actor sabia gerir como ninguém, fazendo pausas para logo retomar...

Possuidor de enorme talento e sensibilidade, Raul soube manter uma postura humilde ao longo da carreira. Trabalhou no teatro, na televisão e no cinema e em todos os géneros granjeou aplausos e carinho do público de qualquer condição. Representou e cantou, cultivou e foi mestre no género stand-up, triunfou na comédia e desempenhou papéis dramáticos. Mas indubitavelmente que para a sua fama e popularidade muito contribuíu a televisão (ao tempo canal único) com Zip-Zip em 1969.

Os maiores de 50 anos recordam bem como familiares e amigos se postavam frente ao televisor à segunda-feira, à noite, para assistir ao programa que marcou pela novidade e capacidade criativa. Raul multiplicava-se em diversas personagens que tinham como interlocutores Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Nessa época que ainda não conhecia o vídeo, o programa era em directo e ninguém desejava perder pitada, daí a coincidência entre o consumo de água e os intervalos do programa quando aumentava o número de idas à casa de banho.

Coisas de um tempo que os jovens de hoje dificilmente compreendem. Registos de quarenta anos, lembranças de pessoas e acontecimentos. E assim, sem ruído, lenta e suavemente passam(ram) os dias e nós, envelhecendo. Curiosamente é da velhice que guardo a última imagem do Actor. Aconteceu há uns dez anos, num dia de Verão, na Avenida Marginal de S. Martinho do Porto. Ao cair da tarde, abraçando Leonor Xavier, Raúl caminhava...